terça-feira, 28 de junho de 2005

A combi da enfermeira e do palhaço


Eu tinha apenas 9 anos quando fui seqüestrado pela combi do palhaço e da enfermeira. Ao contrário do que diziam, o palhaço não era mau, TAMPOUCO a enfermeira. O palhaço era, na verdade, um homem triste, como todo o palhaço. Quando ria ficava até sem graça. A enfermeira, uma mulher de cerca de 30 anos, bonita, ruiva, não tinha sequer uma seringa e o semblante de agonia era notável. Eu podia ouvir roncos de fome do estômago dos dois por entre o timbre da voz de Michael Hutchence em "By my side". Sim, tinha um rádio de pilha da Gradiente na combi. Eu lembro que depois ainda tocou Roxette e Sinead O' Connor. A combi tinha também um mini-fogão, e um canário.
- Sabe garoto, não somos o que todos pensam. Dizem nos noticiários que seqüestramos as crianças com a chantagem do sorvete, e tiramos órgãos delas, como o rim, por exemplo. Esse sorvete na sua boca não foi uma chantagem, eu só quis chamá-lo para uma conversa. Você gosta de conversar?
- Gosto. Me dá outro sorvete? Tem de abacaxi? - fui atendido.
Contaram-me muito de suas vidas, mas não me lembro de muita coisa, já são 11 anos deixados pra trás após o ocorrido. Lembro ter visto duas lágrimas borrando a maquiagem velha do palhaço, enquanto a enfermeira tentava sintonizar outra rádio. Lembro que uma pomba entrou na combi e a enfermeira dava espatuladas no ar para espantá-la. Quando ela fez isso, uma gota de óleo se incrustou na minha testa - era uma espátula de fritar coxinhas. Recordo-me de que tudo isso ocorreu em uma rua do bairro do Piqueri, em frente a uma loja de artigos para festas - duas crianças saíram chorando da loja naquele ínterim de seqüestro, uma saiu pulando e a outra caiu no chão, chorando depois.
Após a pomba sair da combi, o palhaço confessou seu ódio por pombas, dizendo que elas se pareciam com ele. Virou-se para abaixar o volume do rádio e me disse:
- Filho, a vida é uma pilha de panquecas. Cada um que nasce aumenta essa pilha. E isso é muito ruim, pois quanto maior a pilha de panquecas, mais coisas temos que saber dessa vida. E saber de muita coisa não é bom.
Nesse momento senti muita vontade de comer panquecas e pedi permissão para ir embora. Eu usava luvas de goleiro, pois era o goleiro do time do meu prédio. Abri a mão de goleiro e pedi para que ele colocasse umas balas Xita. Quando saí da combi, a música do INXS começava de novo. Depois daquele dia, passei a dar mais valor à panquecas, sorvetes e, principalmente, enfermeiras sem seringa.

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segunda-feira, 20 de junho de 2005

O trópico


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Enquanto outro bicho nasce com duas cabeças em algum laboratório de experimentações genéticas, eu vou tomando aqui meu danone de morango, após estudar os pormenores da América Anglo Saxônica. E enquanto cai uma garoa fina aqui sobre as ex-terras de cafeicultores paulistas, olho para o sudeste da tela e noto que agora são 17:01. Mas POR ENQUANTO, pois logo serão 17:02. E logo todos estarão terminando de pensar o que estavam pensando, suprimindo com uma pá, socando-a com força contra as mãos da criatividade que querem soerguer-se por entre a terra da cova da preguiça.
Afinal, por que continuar um pensamento se provavelmente ele já foi criado, tendo seu dono sofrido ultrajes de todas as cores, obrigando-o a aceitar galhofas com cara de tricícolo, críticas transformadas em velas no pobre velório da invenção? Dá muito trabalho dar seqüência àquele idéia de criar dispositivos, bonsais, histórias em quadrinhos, bebês, casos, nomes. Sinto que não há mais nada a ser feito, a não ser observar. A não ser pegar um papel, e desenhar várias vezes uma estrela, até ela deixar marca na página seguinte. Depois contorno a marca, pra ficar igual à estrela da página anterior. Comparo as duas folhas pra ver se ficou igual mesmo, mas nunca fica.
Então minha sinapse vai de moto até uma lembrança do passado: a lembrança de quando eu tinha uns 8 anos. E nessa idade, sempre que voltava de um sítio em Santa Isabel, passava pelo Trópico de Capricórnio. A placa na beira da estrada dizia: "Aqui passa o Trópico de Capricórnio." Aí eu olhava pra cima e não via nenhuma linha vermelha, nenhum laser, nada. E isso fazia com que eu sentisse raiva daquela placa azul com letras brancas. Ouvia então palavras como: "Rodrigo, é uma linha imaginária, não dá pra ver." Mas aí eu sentia mais raiva, pois sabia que placas não mentiam.

Se eu soubesse o que era "imaginária", tudo seria diferente. Meu danone acabou, assim como o cd do Elliott Smith. Vou estudar os cordados.

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terça-feira, 14 de junho de 2005

Quando a lua engana, mas explode a gana


O dia em que inventarem doces acompanhados de um saquinho com 10g de sal para posteriormente salgar minha boca, eu compro doces. Eu discordo da frase "diga-me COM QUEM anda, que te direi quem és". Essa frase é o maior engano dos últimos milênios, Jesus errou. Bernardo Carvalho escreve coisas muito boas na Folha. Tenho enxergado pessoas que usam óculos com outros olhos, literalmente. Por que mulheres assoviam tão pouco? Será que é genético? Será que é uma herança do passado, quando apenas o homem saía com seu cão para caçar e assoviava para que este trouxesse a perdiz capturada? Ainda descobrirei o gene do assobio. Atualmente, as academias são os locais em que as pessoas mais refletem, entre uma série e outra. O que as mulheres lacônicas que trabalham em locadoras tem de especial? Será que Deus sabe do bem que fez à humanidade ao criar a batata? Jogar bola é terapêutico e indivíduos que não gostam de jogar bola precisam de terapia. Uma pessoa não gosta de conversar sobre o que escreve. Senão não escreveria, falaria. Ninguém é de ferro. Todos são de papel-alumínio.

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domingo, 5 de junho de 2005

Níquel Náusea


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Eu idolatro Fernando Gonsales.

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quinta-feira, 2 de junho de 2005

Quando o precipício chama, mas arde a chama


Daslumílson era um garoto que adorava comer iogurte de maçã. Certo dia, embaixo de uma macieira, uma maçã caiu em seu nariz, agravando seu desvio de septo. Daquele dia em diante, Daslumílson nunca mais tomou iogurte de maçã, pois sempre que chegava perto de um, seu nariz doía e ele parecia caminhar torto, na direção do desvio nasal: a direita.
Certo dia, Daslumílson caminhava na beira de um precipício. Era um dia bonito, tinha acabado de chover, a grama molhada, as libélulas acasalando, a lua ambígua reinando no horizonte, os pássaros em uníssono ditavam o tom da harmonia daquele dia perfeito. Mas Daslumílson tinha um nariz, e aquele nariz tinha um passado. À direita de Daslu, como era chamado por seus amigos, estava o precipício. Sentado na beira do precipício estava um ancião, tomando iogurte de maçã. Daslu pensou: "Oh senhor, é o fim." Devido ao nariz, seu corpo estava desenfreadamente caminhando para aquele abismo escuro, repleto de galhos saindo da fenda terrestre. Mas foi então que uma moçoila de vestido de bolinhas apareceu ao seu lado esquerdo, fazendo com que o corpo de Daslu não pudesse ignorar tanta exuberância, tanta coxância. A força destra do seu nariz então foi compensada com uma força para o lado esquerdo, produzindo um equilíbrio. Daslu parecia o centro de cabo-de-guerra. Quem seria mais forte nessa hora? O nariz de Daslu ou o resto do seu corpo, que apontava todo em direção à rapariga do vestido de bolinhas?

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