sexta-feira, 23 de dezembro de 2005

À merda com carinho


A palavra confiança é tão suja quanto aquele bueiro ali, ó. Eu mesmo tenho amigos nos quais pouquíssimo confio. Incumbir alguns de comprar pão na padaria seria uma medida lunática, acompanhada de uma redonda inexorabilidade: o pão não chegaria sem uma mordida. O pão nem chegaria, aliás. Tenho uns amigos ridículos, nem sei por que gosto deles, mas eu gosto. Uns já me passaram a perna, outros já quase a quebraram, outros já colocaram veneno no meu suco, mas aí eu engasguei, o veneno não desceu e então nós demos uma longa risada, como se nada tivesse acontecido, depois pedimos uma pizza e quebramos três copos.
As maiores amizades são aquelas que resistem às maiores pisadas em jacas, às maiores brutalidades possíveis, às mais distantes milhas, aos maiores descasos. Se a nada disso ela resistir, asseguro que ela não vale o farelo de bolacha que eu acabei de deixar cair no chão de madeira. Se à primeira furada na retina ela fenecer tal qual um filhote de tizil que não suporta nenhuma rajada mais forte de vento, eis uma amizade que não vale nem o vento. Não é nada. É praticamente o vácuo. Indivíduos que se consideram entidades, cujo nome é o símbolo da ética nas relações ou a certidão de disciplina nas atitudes, essas pessoas, as que não erram, para mim são como a merda. Porque a merda não erra unca, em se tratando de aparecer. A merda sempre aparece.

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segunda-feira, 19 de dezembro de 2005


Não há nada mais deprimente que mágicos. Aqueles mágicos de cabelo estilo Rod Stewart, que entram correndo no palco, de braços abertos, pulando, ao som de uma música eletrônica ultrapassada. Agora é utilizado o termo ilusionista, mas eu não me iludo: é um mágico idiota.
Já mímicos são admiráveis. Vide Michael Coutermanche, humorista que aparece de vez em quando no programa Só Rindo, canal Multishow.
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quarta-feira, 14 de dezembro de 2005

O que eu acho de tudo isso aí que está aí


O tempo é um ultraje. O tempo não passa rápido, passa se arrastando, mas ninguém vê e por isso parece passar rápido. Afinal, o tempo não existe. O tempo não é nada, não é uma lei, não é roxo, não tem bunda com marquinha de sol. Um catalão tem um tempo diferente do tempo de um esquimó. Aliás, o que seria se todos morassem na Bahia, onde faz sol todo dia? Uma vez eu entrevistei uma galinha fictícia e ela disse:
- Cocó, cócó. Cócócócó, cóóóó!
Aí já viu: eu já desci já a faca e já matei a galinha. Afinal, onde já se viu falar desse jeito? Comi o frango verdadeiro, antiga galinha fictícia. Alguém já parou pra pensar como era a vida da galinha comida no almoço? Olhe para o frango e pense no ciscar dela, no sonho frustrado da galinha de ter filhotinhos aquecidos pelas asas brancas. A galinha que um integrante da Orquestra Sinfônica de Bangladesh come é só um aglomerado protéico e não uma galinha. Não estou aqui em defesa da galinha, eu não viveria sem comer frango. Só acho que antes de comer um frango, é preciso olhar para o frango e conversar com o espírito da galinha. Já a formiga não, pode pisar que formiga não tem espírito. É verdade! Foi um ancião que me falou isso, e eu acredito nele porque um dia ele curou meus anseios anarquistas, persuadindo-me, mostrando que o caminho da verdade era aceitar um pouco de controle superior, só assim haveria uma dialética intrínseca e, conseqüentemente, a libertação da alma.
Ninguém se liberta sem dialética, sem ser escravo de algo. Ninguém jamais vai se sentir bem sem ser submisso a algo. Freud dizia umas coisas sobre isso, mas eu não li Freud, tenho preguiça. Freud pra mim é muito matemático, Édipo pra cá, sonhos pra lá. E se um dia eu sonhar com Freud jogando truco com um hipopótamo? Um sonho onde o hipopótamo pára o jogo e diz "Dr. Freud, eu preciso ir ao banheiro", e então Freud diz "mas prezado hipopótamo, não seria melhor você se perguntar o porquê dessa sua vontade de ir ao banheiro?", e o hipopótamo não responde, fica pensando e acaba se mijando todo. O que significaria esse sonho? Hein? Eu, pra mim, comigo, cá entre eu e eu mesmo, não vejo a mínima necessidade de se refletir sobre um sonho. Um sonho é um sonho e só.
A vida guarda um presente para todos, ou vários, ou nenhum, ou sortidos, como diria Forrest Gump, ou a mãe dele: "A vida é como uma caixa de chocolates, você nunca sabe o que vai encontrar dentro." Sábia a mãe de Forrest Gump, eu mesmo ontem pensei que ia chover mas não choveu. Eu mesmo pensei que iam deixar eu subir e dormir um pouco, mas não deixaram, nem mesmo consideraram. De chofre eu vi como tudo é, na verdade.
Mas depois eu vi que tudo não era do jeito que eu achava e então comecei a ver de outro jeito, e as coisas melhoraram um pouco. Talvez o jeito que eu enxergava as coisas - chamarei de Jeito Moleque Circunstancioso - ainda exista dentro de mim, mas há vários outros. Agora eu liguei o Jeito Vila de Kakariko, onde todos gostam de ver um grandecioso moinho, que fica girando, girando, até ficar tonto e virar um moão. O tempo se encarregará de tudo, com sua camuflagem estapafúrdia.

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terça-feira, 13 de dezembro de 2005

O velho invasor


Após algum tempo de silêncio proposital e escassez de comunicação também proposital, vou contar uma coisa. Ontem (agora é madrugada) um velho senhor desconhecido parecido com o Anthony Hopkins entrou em minha casa. Ele simplesmente entrou, com suas pernas tortas como as do Garrincha e caminhou alguns metros, um pouco cabisbaixo, em direção a mim. Fiquei paralisado, sem reação, sem saber o que dizer. Assim que ele ia passando com confiança por mim, atravessando a sala de TV, seu anjo da guarda deve ter lhe avisado que algo estava errado. O velho então parou, olhou pra mim e perguntou:
- O Luciano tá aí?
Eu demorei 5 segundos pra responder e devolvi:
- Luciano?
Foi então que o velho se deu um tapa na testa, enrubesceu e disse:
- Ai não, será que eu entrei no apartamento errado, Deus do céu?
Ele, que não tinha nada na mão, foi até a porta coçando a nuca, olhou o 7 e disse:
- Sabe o que é, eu moro no sétimo, lá em casa é sétimo, aí confundi, eu vi que tinha algo errado, os móveis, o piso..desculpa viu, olha desculpa mesmo.
Ah, esses velhos invasores.

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