quarta-feira, 14 de dezembro de 2005

O que eu acho de tudo isso aí que está aí


O tempo é um ultraje. O tempo não passa rápido, passa se arrastando, mas ninguém vê e por isso parece passar rápido. Afinal, o tempo não existe. O tempo não é nada, não é uma lei, não é roxo, não tem bunda com marquinha de sol. Um catalão tem um tempo diferente do tempo de um esquimó. Aliás, o que seria se todos morassem na Bahia, onde faz sol todo dia? Uma vez eu entrevistei uma galinha fictícia e ela disse:
- Cocó, cócó. Cócócócó, cóóóó!
Aí já viu: eu já desci já a faca e já matei a galinha. Afinal, onde já se viu falar desse jeito? Comi o frango verdadeiro, antiga galinha fictícia. Alguém já parou pra pensar como era a vida da galinha comida no almoço? Olhe para o frango e pense no ciscar dela, no sonho frustrado da galinha de ter filhotinhos aquecidos pelas asas brancas. A galinha que um integrante da Orquestra Sinfônica de Bangladesh come é só um aglomerado protéico e não uma galinha. Não estou aqui em defesa da galinha, eu não viveria sem comer frango. Só acho que antes de comer um frango, é preciso olhar para o frango e conversar com o espírito da galinha. Já a formiga não, pode pisar que formiga não tem espírito. É verdade! Foi um ancião que me falou isso, e eu acredito nele porque um dia ele curou meus anseios anarquistas, persuadindo-me, mostrando que o caminho da verdade era aceitar um pouco de controle superior, só assim haveria uma dialética intrínseca e, conseqüentemente, a libertação da alma.
Ninguém se liberta sem dialética, sem ser escravo de algo. Ninguém jamais vai se sentir bem sem ser submisso a algo. Freud dizia umas coisas sobre isso, mas eu não li Freud, tenho preguiça. Freud pra mim é muito matemático, Édipo pra cá, sonhos pra lá. E se um dia eu sonhar com Freud jogando truco com um hipopótamo? Um sonho onde o hipopótamo pára o jogo e diz "Dr. Freud, eu preciso ir ao banheiro", e então Freud diz "mas prezado hipopótamo, não seria melhor você se perguntar o porquê dessa sua vontade de ir ao banheiro?", e o hipopótamo não responde, fica pensando e acaba se mijando todo. O que significaria esse sonho? Hein? Eu, pra mim, comigo, cá entre eu e eu mesmo, não vejo a mínima necessidade de se refletir sobre um sonho. Um sonho é um sonho e só.
A vida guarda um presente para todos, ou vários, ou nenhum, ou sortidos, como diria Forrest Gump, ou a mãe dele: "A vida é como uma caixa de chocolates, você nunca sabe o que vai encontrar dentro." Sábia a mãe de Forrest Gump, eu mesmo ontem pensei que ia chover mas não choveu. Eu mesmo pensei que iam deixar eu subir e dormir um pouco, mas não deixaram, nem mesmo consideraram. De chofre eu vi como tudo é, na verdade.
Mas depois eu vi que tudo não era do jeito que eu achava e então comecei a ver de outro jeito, e as coisas melhoraram um pouco. Talvez o jeito que eu enxergava as coisas - chamarei de Jeito Moleque Circunstancioso - ainda exista dentro de mim, mas há vários outros. Agora eu liguei o Jeito Vila de Kakariko, onde todos gostam de ver um grandecioso moinho, que fica girando, girando, até ficar tonto e virar um moão. O tempo se encarregará de tudo, com sua camuflagem estapafúrdia.

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