sábado, 30 de abril de 2005

Perfume doce é sinal de desamor


- Antros de corpos reumáticos, é isso o que quero que todos virem! Você, velha rica, provavelmente viúva, por que usa esse perfume que deixa um rastro doce por toda esta praça em que nos encontramos?
Um cão deu um espirrozinho quando foi cheirar a velha, e todos aplaudiram o homem que discursava de cima de uma estátua patriótica, dando razão à sua indignação. Ao segundo espirro do cão, todos já secavam a velha com certo ódio. Ela, de óculos escuros, abstraía todos os olhares com uma segurança assustadora.
- Não aplaudam! Eu quero que escutem o que se passa dentro do espectro nevrálgico da minha bílis! Não agüento mais esse cheiro forte de velhas viúvas ricas que usam de modo despudorado esses vidros de essências das alamedas do desprazer, do desgosto e do desmerecer. Minhas narinas não suportam tal falta de compaixão. Por que não usam somente talco? Responda você, garoto. Você tem avó?
- Tenho - respondeu ele, ruborizado.
- Sua avó não usa desodorantes inodoros?
- Minha vó cheira mal - disse ele, antes de dar uma lambida em seu sorvete de amora.
- Jamais encontrarão um testemunho mais límpido e puro que o deste garoto. É o retrato do sofrimento olfativo desse início de século, crianças caladas, espirrando, tomando sorvetes de frutas silvestres, achando que realmente são sorvetes naturais. Perfumes têm consternado nossos pupilos!
Nesse momento, uma sentinela repleta de penduricalhos típicos da corte portugesa do século XVIII desceu do céu. Todos desmaiaram devido ao cheiro doce devastador que tomou conta da praça. O picolé de amora esturricou, virou uma amora. O cão, que antes só espirrava, faleceu. A estátua oxidou. A velha rica sentou em um banco e acendeu um cigarro Charm. Moicanamente, o homem resistiu. Seus olhos vermelhos, derramando lágrimas de heroísmo repletas de amor à pureza dos perfumes e de admiração à essências amadeiradas, fitavam os calcanhares da sentinela.
A sentinela então se transformou em um velho português. Ao ver tal metamorfose, a velha apagou seu cigarro, levantou-se e caminhou em direção a ele. O velho recitou um poema de Bocage para ela, deixando suas pernas moles, seus olhos marejados. O enfurecido mar dos Lusíadas parecia lubrificar o rosto da velha, já sem os óculos, borrando sua sombra, descendo pelo pescoço, pelo colo. Notas de um fado escapavam por entre as nuvens do céu.
- Meu amor. Vamos dançar este fado. Cansei de olhar para o além, vamos ver a vida - disse ela.
De repente um cheiro amadeirado de algum perfume do Boticário tomou conta dos ares da praça. O cão ressucitou, lambeu o calcanhar da velha, e comeu a amora. O homem que discursava pediu desculpas e foi comprar outro sorvete para o garoto.

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terça-feira, 26 de abril de 2005

Reparo


Gostaria de me desculpar aqui. Eu ouvi o último álbum do Tom Zé, Estudando Pagode - Segregamulher e Amor, e mesmo sendo uma coisa muito diferente, mesmo sendo eu conservador pra isso, mesmo sendo muito espalhafatoso demais pro meu gosto, acabei gostando. Principalmente da música "Duas Opiniões", que ele canta com a Zélia Duncan. Aliás, em algumas músicas ele coloca sons produzidos por uma folha de fícus, folhinha que eu arrancava quase sempre dos entornos do Colégio Batista em São Paulo, voltando da ex-faculdade, perto da minha ex-residência cômoda repleta de ex-ares de ócio, ócio e mais ócio. Gostaria também de lamentar a chegada do frio, pois as mulheres deixam de usar saia e minha garganta deixa de ser conveniente. Que coisa impertinente é o frio. Deixa as pessoas românticas, sacumé?! Aniversário do meu pai hoje, parabéns pai.

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(...)

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Ia escrever um texto mas resolvi fazer uma tirinha.

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segunda-feira, 25 de abril de 2005

Juliet, Juliet


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As músicas desse álbum arrepiam. Mesmo.

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sexta-feira, 15 de abril de 2005

Ceratocone: coisa atípica


Vejo o mundo embaçadamente . Percebi isso quando, de um tempo pra cá, não conseguia mais ler os placares dos jogos de futebol na TV. É praticamente impossível diferenciar um 3 a 1 de um 2 a 1. Destarte, fui ao oculista aqui perto de casa, despretensiosamente, sabendo que chegaria lá e receberia uma receitinha com uns grauzinhos ínfimos. Engano ledo.
Overture
Tudo já começou mal. Minha consulta foi marcada para às 16:30 de ontem. Cheguei ao consultório 1 minuto antes do horário, porém tive que esperar esse minuto e mais outros 70, em decorrência do atraso do oftamologista. Enquanto lia Caras e Vejas do mês de janeiro, vi uma senhora do meu lado assistir atenta ao filme da Globo, no qual uma gaivota cagava na cabeça de um garoto. Aliás, falando em Reino Metazoa, levei cerca de 4 picadas de pernilongo, duas no braço, duas na perna e pensei: "pronto, vim no médico pra pegar dengue", ao olhar pra trás e ver um ar condicionado lá fora condicionando uma baita poça de água parada, propícia à reprodução do Aedes aegypti . Coçava o braço, batia na minha perna, despertando a atenção da senhora ao meu lado. Até o rapaz da recepção passou a me observar. Eu era o centro das atenções naquela sala. Peguei então um panfletinho sobre conjuntivite, li e pensei: "caralho, sou muito sortudo em se tratando de olho, nunca tive nada". Nesse momento Deus olhou pra mim e disse: Rodrigo, você está fudido.
A bomba
Mais de uma hora depois de fazer o cadastro no local, meu nome foi chamado. Levantei, entrei na sala, um ambiente à meia-luz - luminosidade típica de quando coisas ou muito ruins ou muito boas acontecem. Cumprimentei o rapaz, muito simpático. Pediu desculpa pelo atraso. Sentei na cadeira e ele me perguntou:
- E aí, qual é o problema rapaz?
- Ah, às vezes eu enxergo meio embaçado. Principalmente de longe. E o olho direito é pior.
- Certo.
Falei dos pernilongos pra ele, da dengue, mostrei meu braço, e ele nem deu bola. Malditos oftamologistas que só enxergam a saúde visual. Ele pingou o colírio dilatador de pupila e tive que esperar mais 15 minutos. Quando voltei, sentei na cadeira tranqüilamente, mas logo uma frase dele me deixou perplexo:
- Tem algo atípico aqui.
Nesse momento fiquei encafifado. Atípico é uma palavra ruim. "Original" não, "criativo" também não, mas "atípico" é um adjetivo negativo demais.
- Da outra vez que você foi ao oculista, ele não te disse nada? Nada especial?
- Não, fui só uma vez e só tinha um grau de leve ! - disse eu, já desesperado.
- Então rapaz, você tem uma coisa chamada ceratocone. É uma patologia genética. Sua córnea tem uma curvatura acentuada, faz um formato de cone. Olha o tamanho do grau que tem no seu olho direito, é um baita grauzão!
- Puta merda !
Fiz então uma bateria de exames, uns 7 no total. No meio da consulta o médico atende o telefone e conversa com um velho amigo de Cuiabá, combinam de sair, mas de "sair mesmo, hein?!". Ele volta, faz mais umas considerações sobre métodos de correção, com óculos e lentes, diz que a tendência é o grau sempre aumentar, sendo assim, irreversível. Proibiu cirurgia e fim. Saí de lá às 18:40, por aí. Fui pra casa com o olho ardendo, assustado, querendo que tivesse sido apenas aquela conjuntivite do panfletinho. Ou então papilas gustativas visuais. Mas Deus castiga.
Ouvindo: Stevie Wonder

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terça-feira, 12 de abril de 2005

Amapola improvisada

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Querido diário,

De hoje em diante, serei menos arrogante. Como símbolo da minha mudança, vou comprar um bonsai.

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terça-feira, 5 de abril de 2005

Considerações sobre Zé e Marley

Sopapo no cognitivo
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Ontem Tom Zé esteve no Roda Viva. Ano passado, quando ainda não tinha largado a faculdade, comecei a fazer uma academia lá perto de casa. Logo no segundo dia, vi um senhor baixinho andando na esteira de maneira excêntrica, voltando seus olhos fechados para cima e seus ombros para trás. Era Tom Zé. Cheguei até a revezar um aparelho com ele. Meu primo, que morava lá perto também, disse que Tom Zé morava na rua de cima e cuidava do jardim do prédio, um prédio simples. Minha vó, outra moradora de Perdizes, disse já ter encontrado Tom Zé na fila da padaria, e o elogiou por ser simpático, mas disse que ele era muito "sujinho e louco". Ele é um bom homem. Mas ainda não entendi o que ele pretende com sua música "simples, porém não ridícula". Nunca vi nada de genial na música dele. Durante várias partes da sabatina, ele se auto proclamou um gênio, falando que sua música era genial, que isso explicaria suas reles 40.ooo cópias de álbum vendidas. Mais irritante era ver os jornalistas que sabatinavam, todos com cara de "estou entendendo absolutamente tudo, tanto que até estou rindo, olha!", quando Tom Zé falava, no fundo, apenas para si mesmo. O próprio Tom Zé disse ontem: "Eu não tenho inspiração. Tenho sopapo no cognitivo!". Eu não entendo os sopapos dele.
Sem sopapo no cognitivo
Bob Marley foi um atraso para a música. É como se o ônibus do progresso musical tivesse parado muito tempo em uma área de descanso, daquelas pra caminhoneiros. Mr. Marley é um mala. Devia ser horrível viver nos mesmos ambientes que Bob Marley, ouvir sua voz gritando "I wanna love ya", em meio ao cheiro de cabelo mal lavado, prato perfeito para uma possível constituição de espécies híbridas de piolho . Claro, gosto de uma ou duas canções, aquelas mesmas que você conhece, e que qualquer molequinho de cabelo enrolado, pochete e pulseirinhas da Jamaica toca em um lualzinho de Maresias, enquanto desfruta de unzito . Aliás, nada contra quem degusta unzito, o cheiro é até agradável.
Parece que Bob Marley, em vez de catalisar, inibe qualquer "sopapo no cognitivo", como diria Tom Zé. O samba/pagode, por exemplo, não é criativo em sua grande maioria, claro, mas pelo menos é um estilo musical contagiante, que dá um estímulo na euforia, um beliscão na bunda. Agora vejamos o reggae: sempre falando de cachoeiras, paz, guerras, cachoeiras, revelação, liberdade pra dentro da cabeça, cabeça dentro da cachoeira, enfim, um pé no saco, uma cachoeira de mesmice. Bob Marley é o maior responsável por jovens contemporâneos sujarem as carteiras das escolas ao desenharem folhas de maconha mal desenhadas, escreverem citações supostamente marleyanas, tecidas por palavras como "verde da natureza", "vermelho dos meus olhos", etc. Resumindo tudo, Bob Marley foi um mala, o reggae faz mal, e hoje todos se vestem alá-Jamaica, deixando o mundo muito amarelo, vermelho e verde demais. Eu gosto da cor laranja. Aliás, acabei de desfrutar de uma gelatina de tangerina, nunca tinha provado. Recomendo.

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