Ceratocone: coisa atípica
Vejo o mundo embaçadamente . Percebi isso quando, de um tempo pra cá, não conseguia mais ler os placares dos jogos de futebol na TV. É praticamente impossível diferenciar um 3 a 1 de um 2 a 1. Destarte, fui ao oculista aqui perto de casa, despretensiosamente, sabendo que chegaria lá e receberia uma receitinha com uns grauzinhos ínfimos. Engano ledo.
Overture
Tudo já começou mal. Minha consulta foi marcada para às 16:30 de ontem. Cheguei ao consultório 1 minuto antes do horário, porém tive que esperar esse minuto e mais outros 70, em decorrência do atraso do oftamologista. Enquanto lia Caras e Vejas do mês de janeiro, vi uma senhora do meu lado assistir atenta ao filme da Globo, no qual uma gaivota cagava na cabeça de um garoto. Aliás, falando em Reino Metazoa, levei cerca de 4 picadas de pernilongo, duas no braço, duas na perna e pensei: "pronto, vim no médico pra pegar dengue", ao olhar pra trás e ver um ar condicionado lá fora condicionando uma baita poça de água parada, propícia à reprodução do Aedes aegypti . Coçava o braço, batia na minha perna, despertando a atenção da senhora ao meu lado. Até o rapaz da recepção passou a me observar. Eu era o centro das atenções naquela sala. Peguei então um panfletinho sobre conjuntivite, li e pensei: "caralho, sou muito sortudo em se tratando de olho, nunca tive nada". Nesse momento Deus olhou pra mim e disse: Rodrigo, você está fudido.
A bomba
Mais de uma hora depois de fazer o cadastro no local, meu nome foi chamado. Levantei, entrei na sala, um ambiente à meia-luz - luminosidade típica de quando coisas ou muito ruins ou muito boas acontecem. Cumprimentei o rapaz, muito simpático. Pediu desculpa pelo atraso. Sentei na cadeira e ele me perguntou:
- E aí, qual é o problema rapaz?
- Ah, às vezes eu enxergo meio embaçado. Principalmente de longe. E o olho direito é pior.
- Certo.
Falei dos pernilongos pra ele, da dengue, mostrei meu braço, e ele nem deu bola. Malditos oftamologistas que só enxergam a saúde visual. Ele pingou o colírio dilatador de pupila e tive que esperar mais 15 minutos. Quando voltei, sentei na cadeira tranqüilamente, mas logo uma frase dele me deixou perplexo:
- Tem algo atípico aqui.
Nesse momento fiquei encafifado. Atípico é uma palavra ruim. "Original" não, "criativo" também não, mas "atípico" é um adjetivo negativo demais.
- Da outra vez que você foi ao oculista, ele não te disse nada? Nada especial?
- Não, fui só uma vez e só tinha um grau de leve ! - disse eu, já desesperado.
- Então rapaz, você tem uma coisa chamada ceratocone. É uma patologia genética. Sua córnea tem uma curvatura acentuada, faz um formato de cone. Olha o tamanho do grau que tem no seu olho direito, é um baita grauzão!
- Puta merda !
Fiz então uma bateria de exames, uns 7 no total. No meio da consulta o médico atende o telefone e conversa com um velho amigo de Cuiabá, combinam de sair, mas de "sair mesmo, hein?!". Ele volta, faz mais umas considerações sobre métodos de correção, com óculos e lentes, diz que a tendência é o grau sempre aumentar, sendo assim, irreversível. Proibiu cirurgia e fim. Saí de lá às 18:40, por aí. Fui pra casa com o olho ardendo, assustado, querendo que tivesse sido apenas aquela conjuntivite do panfletinho. Ou então papilas gustativas visuais. Mas Deus castiga.
Ouvindo: Stevie Wonder
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