sexta-feira, 23 de dezembro de 2005

À merda com carinho


A palavra confiança é tão suja quanto aquele bueiro ali, ó. Eu mesmo tenho amigos nos quais pouquíssimo confio. Incumbir alguns de comprar pão na padaria seria uma medida lunática, acompanhada de uma redonda inexorabilidade: o pão não chegaria sem uma mordida. O pão nem chegaria, aliás. Tenho uns amigos ridículos, nem sei por que gosto deles, mas eu gosto. Uns já me passaram a perna, outros já quase a quebraram, outros já colocaram veneno no meu suco, mas aí eu engasguei, o veneno não desceu e então nós demos uma longa risada, como se nada tivesse acontecido, depois pedimos uma pizza e quebramos três copos.
As maiores amizades são aquelas que resistem às maiores pisadas em jacas, às maiores brutalidades possíveis, às mais distantes milhas, aos maiores descasos. Se a nada disso ela resistir, asseguro que ela não vale o farelo de bolacha que eu acabei de deixar cair no chão de madeira. Se à primeira furada na retina ela fenecer tal qual um filhote de tizil que não suporta nenhuma rajada mais forte de vento, eis uma amizade que não vale nem o vento. Não é nada. É praticamente o vácuo. Indivíduos que se consideram entidades, cujo nome é o símbolo da ética nas relações ou a certidão de disciplina nas atitudes, essas pessoas, as que não erram, para mim são como a merda. Porque a merda não erra unca, em se tratando de aparecer. A merda sempre aparece.

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