domingo, 4 de setembro de 2005

Fiu, o silvo sublime


Foi na infância, ou talvez até dentro da barriga de minha mãe que, pela primeira vez, ouvi o som de um assobio. Uma criança aprende a assobiar sem saber o porquê, achando que é um ato natural, quiçá uma das boas maneiras fundamentais, como não arrotar na frente da vizinha depois de comer pão com geléia de amora, por exemplo. Nem chega, destarte, a assobiar uma melodia. Mas vai entendendo com seus miolos em formação que o assobio serve pra cantar músicas, inclusive pra chamar pessoas. Frustra-se então ao ver que nem sempre o assobio vai ser tão alto, sendo ESSA uma das maiores frustrações de minha vida: não sei fazer o assobio que dispensa o biquinho, aquele que se faz com um dobramento moderno (tive uma vontade inexorável de escrever esse "moderno") da língua. É um assobio deveras lindo, impõe respeito, eu utilizaria sempre em meus jogos esporádicos de futebol, não precisaria gritar.
Mas poucos são os que tem condicões de fazê-lo e os que as tem também tem uma ótima razão para a felicidade e plenitude. O fato triste é que este assobio de ouro é condicinado pelo modo como a língua está posicionada na boca, de como Deus quer que a língua se apresente nessa ou naquela boca. Se a língua é muito grande, dificilmente o ar encontrará meios de se infiltrar por entre as estreitos espacinhos banhados a ptialina do sistema bucal, impedindo assim uma provável corrente e circulação de ar. Não há túneis, tubulações, logo, não há assobio. Portanto quem tem língua grande não sabe assobiar do jeito bonito: só do jeito universal, com biquinho. E os que bem me conhecem, bem sabem que este é o meu caso.
P.S.-Assobiar para uma mulher não é e nunca será, de acordo com minha ótica moral, um ato vulgar e condenável, a não ser que este preceda uma mordida nos beiços ou passada de língua de 180º no lábio superior. Aposto que o assobio já era utilizado desde o Império Romano, ou até antes, com este mesmo intuito: o de elogiar, contemplar. E também aposto que as mulheres gostam desde aquela época. Sou muito mais um belo assobio do que uma cantada verbal.
P.S II-Músicas com assobio são a coisa mais linda, excetuando-se qualquer uma de Axl Rose. Fico com todas do italiano Ennio Morricone, em suas trilhas para faroestes ao molho-de-tomate, com destaque para o assobio ouvido na parte inicial da música "L'arena", tocada em Kill Bill 2 (não aquela ridícula, que depois ainda foi remixada). Aliás, é uma das músicas mais maravilhosas de todas as que existem.

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