sábado, 30 de julho de 2005

Il tramonto


Hora crepuscular, um vulto se aproxima de um homem lavando louça.
- É, meu querido. Venho nesse bar desde 1971 quando aquele seu gato ainda era vivo. O rabo dele abanava, fraco, mas abanava. Eu sei que gato não abana rabo, mas o seu abanava. Aliás, era um gato mesmo? Ou era uma preá? Preá tem rabo? Mas, enfim, não vim aqui para zoo-devaneios. Precipito-me a dizer que, durantes anos, muitos anos, teu bar foi mais do que um remédio para minha alma. Preveni muitos males com tuas canecas de vidro fosco. Se me encontro com esta voz tão roufenha, esclareço-te que é apenas um efeito de meu coração sorumbático que, de chofre, deixou de ser um coração carismático. Parece que com o passar dos anos, perdi a vontade de dançar fox-trot, assim como perdi a vontade de vir aqui. Este recinto não significa mais nada pra mim. Sua bandeja traz torpezas e sempre que ela se aproxima da mesa, a cicatriz aqui perto do olho dói pra diabo. Aí eu acabo bebendo pra passar a dor. É um ciclo. Vicioso. Portanto, para tolher esse asco que vem surgindo, devo parar de sentar aqui, devo partir. Não, não quero conversar sobre futebol, nunca mais. Hoje o time para o qual eu torci durante toda a minha juventude nem existe mais, é apenas um fantasma andando pelas ruas junto com as moscas. Aliás, nunca me identifiquei tanto com meu time como agora: um fantasma. Um fantasma branco, branco como os meus cabelos. Espero que entenda Júlio, sei que tu és um rapaz finório.
Júlio ouviu serenamente as palavras daquele fantasma e deixou cair uma lágrima na frigideira de fritar bolinhos de chuva. Sentiu falta do cão. Era o fim do bar, mas não o da louça.

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