domingo, 20 de março de 2005

Admiratione


Em algum dia perdido do ano passado, enquanto pardais construíam seus ninhos em locais vulneráveis, um amigo meu, sentado sobre o muro de sua casa, contava a respeito do que Aristóteles dizia sobre amizade. Ele havia lido ou ouvido sobre isso em algum lugar e estava todo empolgadão. Pelo que me lembro, porque já faz um bom tempo, ele disse que existem três tipos de amizade: amizade por admiração, prazer e interesse. E disse que essa amizade por admiração era a que o filósofo qualificava. Uma amizade que se alicerça somente em prazer ou interesse não seria tão sólida quanto a estruturada por admiração. Concordei com ele. Mandei-o tomar no cu, o rapaz não parava de falar.
O ser humano é um polígono, penso eu. Se fôssemos analisar as pessoas a partir de todas as arestas, não sobraria um ser admirável no mundo, ninguém se salvaria, nem Almir Sater, nem São Francisco de Assis, nem Raskólnikov. Mas acho que essa admiração à qual o homem grego escravista se referiu é uma admiração mais sinistra, obscura. É como se o fator de admiração fosse o vértice do polígono, algo muito subjetivo na pessoa. Muitas vezes se admira alguém sem saber o porquê, como se as arestas mostradas por um indivíduo fossem apenas dicas do que ele é, pistas de para onde convergem os pontos que ligam as arestas. Acredito que quanto mais se tenta decifrar tudo isso, e quanto mais se tem o retorno, maior a admiração, maior a amizade. Lembrei do episódio aristotélico ontem à noite, sábado, enquanto tomava uma boa cerva durante uma boa conversa.

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