quinta-feira, 3 de fevereiro de 2005

Momentum


Não. As conversas cruciais não são realizadas nas varandas, ao cair do sereno, ou perto de um jardim repleto de damas-da-noite, iluminado por canduras celestes. Nem na saída de um cinema, na entrada de uma peça de teatro. Não são feitas em uma mesa de pub, para que se possa pensar melhor no que mentir enquanto se toma um gole de cerveja, vinho, seja lá o que for. Os momentos graves e decisivos são, na verdade, camuflados. O hábito os esconde. O acintoso cobrador do ônibus 875-P, Barra Funda, guarda esses momentos em um bolso costurado. Um dantesco vira-lata mijando no poste guarda um deles na ponta do rabo. Uma reles pomba pode escondê-los também em seu ciscar desesperado antes de morrer esmagada por um Monza marrom. A velhinha com prolapso na válvula mitral esconde uns três no seu saco de laranjas antes de desmaiar na fila do INSS. Um ponto de táxi, um espirro homérico, um cabelo desarrumado, ombros esbarrando, um pernilongo, um outdoor do Shampoo Seda, um pão-de-queijo torrado, o tempo - tudo isso, de forma inescrupulosa, após uma miscelânea de inconveniências e impertinências, se disfarça de trivial, se veste de invisível, coisa que, na verdade, não é. E não dá pra procurar alhures um cenário mais adequado para as coisas serem ditas, pois é aí que os momentos se vão pelas ruas, assim como vai o ônibus, o vira-lata, a pomba, o Monza. E talvez a velhinha: eis a incerteza.
Agora vou me carnavalizar.

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